quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

MNEMÓSINE




Seria a vida mais fácil ou mais complicada se tivéssemos acesso aos poderes e encantos inerentes aos deuses da mitologia grega? Em especial, a deusa Mnemósine, que possui o dom de apagar nossas memórias. Seria seu poder tão irresistivelmente  benéfico como parece ser?



Quantas vezes queremos simplesmente esquecer algumas coisas. Atraente pensar que todas as dores que vem do passado poderiam simplesmente deixar de existir. Todavia, com essas dores, também iriam embora todas as alegrias. 

Seria difícil escolher entre sofrer com as memórias que nos afligem e perder as memórias dos dias de deleite de nossas vidas de forma concomitante ou ter a chance de começar de novo, criar novas memórias, novos momentos de alegria, mas, também, de dor, afinal, nunca estamos livres desta.

No entanto, os deuses gregos (como todos os deuses) não são tão simples, não negociam com os sofredores e seu encanto jaz justamente nessa imparcialidade. Se pudesses, ao menos, tirar-nos somente as más lembranças, Mnemósine, eu te adoraria e te levaria ofertas, limparia Teu templo e perfumaria Teus vasos. Ajoelhar-me-ia perante à tua imagem e rogaria a ti para que tu me livrasses das mazelas que a vida trouxe consigo, mas somente estas, não as lembranças boas dos dias de minha vida.

Agradeço a ti pela oferta encantadora, mas teus encantos não são suficientes para acalmar minha existência. Se, para me livrar das memórias tristes que tenho, devo abrir mão das alegrias, escolho viver destas, mesmo com dores do passado. Desejo criar novas memórias boas que, aos poucos, façam-me esquecer as tristezas de minha vida.

Sem a ajuda de ti, Mnemósine, ou de quaisquer outros deuses tão imperfeitos como eu, sigo meu caminho tortuoso, certa de que, no final da estrada, encontrarei tão sonhada felicidade que, aos poucos, já faz bater mais forte este coração que, um dia imaginou que só houvesse tristeza neste mundo – no meu mundo. 

Anne Addison








quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A Ladra.




Ela vinha sorrateira, assim como quem nunca quer nada. Com sorriso divinamente cativante, contava histórias e, se necessário, até mesmo lacrimejava para dar credibilidade ao que dizia. Tinha, em sua essência, o charme que seduz e ilude. O charme que ilude e mata.

E era sem pressa alguma que ela se aproximava de suas vítimas tão cuidadosamente escolhidas. Falava-lhes ao pé do ouvido, acariciava-lhes a nuca, entorpecia-lhes os sentidos, mas sempre com um semblante de anjo no rosto. Envolvida nessa atmosfera angelical, a vítima não via por que não se deixar entregar a seus beijos e abraços, ao amor que dela exalava como perfume natural. Cega, a vítima praticamente não tinha o coração roubado; ela própria o entregava nas mãos daquele suposto anjo..

Em pouco tempo, a ladra saciava as suas vontades e a carência de ser amada e desejada, cansava-se do coração roubado e tinha sede de usar seu charme para novas aventuras. Todavia, por mais que não mais o quisesse, não dava liberdade ao coração roubado e agora abandonado. Deixava-o definhar em um canto até que este perdesse completamente a vida e depois se desfazia dele como carne putrefada. Todavia, ao se desfazer de um deles, enterrando-o, viu que ali surgiu uma pequena flor.

Com o passar dos dias, a ladra mirava pela janela e via que a flor ganhava mais beleza e vida, num afronte direto ao seu poder de destruição. Movida pela cólera, destruiu a flor com suas próprias mãos, sentindo as pétalas fenecerem entre seus dedos. Seus olhos brilhavam como nunca dantes. Destruíra duas vezes um mesmo coração e isso a revigorava.

Todavia, como Fênix, a flor insistiu em florescer novamente, insultando o poder de destruição daquele demônio com semblante de anjo.

By Anne Addison